“Era já tarde da noite e eu na espreita da soleira de casa à espera de meu pai. Ele sempre se atrasava e, insistentemente, eu mantinha minha preocupação a cada ausência sua. Naquela interminável espera amanheceu e me dei conta de que ele não chegaria a tempo de tomar o café (tomava apenas o café preto preparado por mim). Embora já tivesse iniciado os primeiros afazeres de casa e me distraísse, às vezes, com meus irmãos, volta e meia olhava pela janela e observava, concentrada, o caminho que levava até nosso pequeno pedaço de terra. Mamãe, em sua pequenez aguda e sua voz firme, ordenou que eu escrevesse em um papel de pão guardado na prateleira de madeira, acima do fogão à lenha, os alimentos que deveriam ser comprados, mais tarde, na venda a um quilômetro de casa. Enquanto me desprendia mais uma vez de minha atenção relutante no horizonte, aguardando os passos de retorno do meu pai, organizava em minhas letras exageradamente redondas, os produtos de maior necessidade, deixando por último aqueles que poderiam esperar até a próxima semana. Eu tinha um sorriso sempre pronto a acalmar os ânimos de todos em nosso lar (simples casinha, mas que eu me esforçava em torná-la agradável), naquela longa manhã, não pude, no entanto, esconder meu nervosismo pela prolongada permanência de meu pai na cidade. – Menina, pior que seu pai, não sabe ter paciência... Dizia minha mãe com a cabeça baixa colhendo algumas hortelãs no quintal."
"Nunca havia presenciado uma briga sequer entre meus pais, não me questionava o motivo do acordo pleno, da paz permanente, a comunicação escassa era talvez fórmula por eles planejada, por ser desnecessária a troca de palavras, já que o amor se expressava mesmo no silêncio, ou, o que era mais provável (doendo em mim a indiferença), era o vazio tenro que se estendia entre os dois, gelado e opaco, criando essa atmosfera de apaziguamento, mas que na verdade não era, senão, na profundeza do que eles haviam se tornado um para o outro, o retrato do próprio abismo que os separava, a má sorte de se encontrarem como estranhos vivendo sob o mesmo teto e compartilhando a mesma linhagem de filhos. No presente de meus oito anos essa relação incompreensível entre meu pai e minha mãe pouca diferença fazia, muitas vezes eu me beneficiava dessa distância entre os dois, sendo meus outros irmãos muito apegados a minha mãe, eu tinha tempo e espaço para ser a preferida de meu pai e ele sempre me lembrava quem eu era: - Minha flor amarelinha do riacho, sabe bem que te amo, tome essas moedas e compre algumas balinhas, como te faz falta um pouco de açúcar nos dentes... Como me deixava feliz esse aconchego de meu pai. Quando me desentendia em casa com minha mãe, final de tarde eu esperava meu pai na porteira, com ar de quem nada quer, e ele me “surpreendia” com um presente da cidade, ora era um broche, ora uma correntinha para prender nos cabelos, ora um brinquedo qualquer. Na pior das desavenças ganhei o melhor dos presentes."
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