Uma cidade sem história contada é pergaminho perdido no tempo. Caminho indecifrável. É como nascer, ser batizado e nunca mais ouvir o seu nome. É como nascer e alguém esquecer de te narrar. Pensam que nascer é já prodígio suficientemente grande e se distraem da tarefa de existir. Existir é narrar. É ser narrado.
É preciso ressuscitar os personagens e as esquinas da cidade. Suas infâncias, seus mitos, suas bem-aventuranças, suas tragédias. Uma ressurreição literária. Ato voluntário da criação.
Eu diria: ressuscitar como alguém ausente que chega de volta à casa e retira o pó da superfície dos móveis. A cena lhe comove, porque ao contrário do que supunha, pelo silêncio e pelo abandono, encontra vida por debaixo da poeira grossa. Mesmo que seja passada... Pelo voo livre essa vida se torna agora, se ajusta, se recompõe diante de uma necessidade muito humana e genuína de se sonhar e de se querer eterno.